Bruno Fillipo

Comunicação, política, eleições
De dois em dois anos, os poucos dias que medeiam entre o Dia do Rádio, em 25 de setembro, e as eleições brasileiras, no primeiro domingo de outubro, dão sentido alegórico à sempre tênue divisa entre a comunicação e a política, dois universos tão próximos quanto ambos mutuamente se modificaram. Na nova forma de fazer política, a amplificação do discurso, fazendo-o chegar às massas, subordinou seu conteúdo às sensações que causavam nos receptores das mensagens – os cidadãos que, sugestionados pelo revestimento estético de gestos, falas, discursos e rituais, julgam pela aparência, pelo que vêem e ouvem. Ao contrário do que se imagina, não se trata de necessariamente de falar mentira, de enganar as pessoas – mas sim de preponderar à supremacia da forma.
Nada que estes tempos polifônicos da era digital, de profundo desprezo ao passado e apego às novidades, consigam impedir o desenrolar do novelo de séculos de história da Humanidade. A palavra “demagogo”, que parece ter caído em desuso no Brasil, surge na Grécia Antiga, quando a democracia direta requeria o uso da palavra nas discussões públicas realizadas nas ágoras. Quinhentos anos atrás, Nicolau Maquiavel, no capítulo XVIII d’O Príncipe, envernizou o aforismo romano – atribuído ao imperador Júlio César – segundo a qual à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta, e o estendeu não só às mulheres dos poderosos, mas também a eles próprios:
Deve ainda um príncipe ter grande cuidado em que não lhe saia da boca uma só coisa que não esteja cheia das cinco qualidades atrás ditas e que ao verem-no e ao ouvirem-no pareça todo piedade, todo fé, todo integridade, todo religião. E não há coisa mais necessária de aparentar que esta última qualidade. E que os homens universalmente julgam mais pelos olhos que pelas mãos, pois que a todos é dado ver, mas a poucos sentir. Todos vêem aquilo que tu pareces, poucos sentem o que és, e estes poucos não se atrevem a opor-se à opinião dos muitos que têm a majestade do Estado que os defenda; e nas ações de todos os homens e principalmente nas dos príncipes, das quais não se pode recorrer, se atende ao fim. Faça, pois um príncipe por vencer e por manter o seu Estado; os meios serão sempre julgados honrosos e de todos louvados. Porque o vulgo deixa-se sempre levar pela aparência e o sucesso das coisas; e no mundo não há senão vulgo e os poucos só têm lugar quando os muitos não têm em que apoiar-se.  
Portanto, a comunicação política que prima pelo aspecto exterior não nasceu com o rádio e a televisão. Mas com eles, devido ao apelo às massas, elevou-se a um patamar em que esses dois meios, mais do que simples intermediários entre emissores e receptores, tornaram-se protagonistas.  Já na década de 30, o rádio consolidou a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha. Em 1960, a televisão foi decisiva para a vitória de John Kennedy sobre Richard Nixon nos Estados Unidos.
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No Brasil, a proximidade do Dia do Rádio com as eleições enseja, para além da abordagem acima, questões tão importantes quanto relegadas. Como a frequência com que radialistas e homens de comunicação se candidatam a cargos públicos, ao mesmo tempo que permanecem à frente dos microfones.  Não está sendo diferente, agora. Poucas emissoras de rádio e televisão veem nisso um problema deontológico e ético de extrema relevância, exceto as Organizações Globo, agora rebatizadas de Grupo Globo, que impedem tal prática.
Dois aspectos que merecem análise séria dos profissionais e das empresas de comunicação:
1) Até que ponto a condição de político – ou de aspirante a político – condiciona, mesmo que involuntariamente, as palavras que o radialista profere ao microfone, tornando-as resultado de um cálculo para atender a interesses outros que não o de entreter e informar o ouvinte e de prestar-lhe serviço – o que faria do rádio não apenas um meio de comunicação, mas um meio de ascensão à carreira política?;
2) Pelo lado dos ouvintes, até que ponto eles recebem sua mensagem como extensão da atividade fora dos microfones ou como reflexo do que poderia fazer na vida pública, embaralhando as duas ocupações?
Bruno Filippo  -Jornalista, sociólogo

 



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